quarta-feira, 3 de março de 2010

6x06 "Sundown"

E eis que, infelizmente, a sexta temporada de Lost tem seu primeiro episódio genuinamente ruim. Não que "Sundown" tenha sido um episódio inútil, o famoso filler - pelo contrário, a história avança em alguns pontos fundamentais e de forma bem interessante. Porém o que mata o episódio são os diálogos terríveis, rasos e repletos de clichés, que por pouco não tomaram o lugar do episódio 3x03 "Further Instructions" como pior teleplay da história da série (mas a verdade é que ninguém jamais superará "Ouvi dizer que os ursos polares são tipo os Einsteins da comunidade úrsica" mesmo que tente muito). Todas as tentativas do episódio de construir uma atmosfera emocional soam tão forçadas que eu me senti lendo um livro de Dan Brown em certos momentos. Há passagens dolorosas, como a hora em que os filhos de Nadya dizem "mamãe, achei uma foto sua na mala do Tio Sayid" ou o inexplicável (ainda que bem coreografado) kung fu entre Sayid e Dogan, que lembra aquelas animações japonesas aonde todos os personagens sempre caem na porrada por vários minutos antes de se apresentarem e eventualmente ficarem amigos, como se voadora na cara fosse cartão de visitas. E toda a história de Dogan sobre seu filho - dava pra ser MAIS genérico e saturado?

Dava sim, fazendo o mestre da manipulação e da mentira Flockezilla tentar seduzir Sayid com "e se eu te dissesse que você pode ter o que quiser?" e ver o ex-torturador Iraquiano calejado de guerra responder com um ridículo "O que eu queria morreu em meus braços." Ah, vai te catar né? É como se tivessem pego a resenha do episódio e passado por um gerador automático de script sem jamais olhar duas vezes pro resultado. A interpretação de louca da Claire só faltava um chapéu de Napoleão pra ficar completa. E por aí vai uma série infinita de reclamações.

Como o episódio foi escrito a duas mãos, não sei exatamente quem culpar por essa hecatombe. Um dos roteiristas, Paul Zbyszewski, escreveu alguns episódios da metade da quinta temporada para cá, entre eles "Jughead," "Namaste" e "Follow the Leader," que embora não tenham sido os pontos altos da temporada também não foram tão gritantemente mal escritos. O outro autor, Graham Roland, tem um currículo menor. Escreveu 2 episódios de Prison Break e foi editor de história nos 4 primeiros episódios da temporada, sendo esse o seu primeiro crédito como roteirista em Lost. Por ser o estreante, vou direcionar minha frustração a ele. Pelo amor de deus, Darlton, não deixem esse cara chegar mais perto de nenhum editor de texto, máquina de escrever, caneta, lápis, pena ou carvão que seja! Estamos num estágio muito avançado de uma série muito complexa e cultuada para vocês ficarem dando colher de chá pra estagiário desse jeito.

Mas a despeito dos diálogos robóticos, e apesar de estabelecer - sem qualquer justificativa - que Dogan era o responsável por manter o monstro de fumaça longe do templo (não era o círculo de cinzas?!), "Sundown" é um episódio importante para a mitologia. Primeiro, ao mostrar que aquele papo que o Fumacinha mandou pro Sawyer em "The Substitute" estava mal contado. Se ele precisava apenas de um candidato do lado dele pra se mandar, pra que ele foi atrás do resto dos Others no templo, pra que angariar o Jin e pra que aceitar a Kate na comitiva mesmo sem ter dado "oi" pra ela, que dirá feito a lavagem cerebral padrão dele? Aí tem.

Já o enredo da realidade alternativa foi totalmente esquecível, exceto pelo final. Já deu pra entender que as duas realidades encarnarão as duas essências de Lost: uma focada na mitologia, outra focada nos personagens. Não deixa, inclusive, de ser uma saída engenhosa dos produtores. Mas quando toda a parte do episódio que deveria ser dedicada aos dramas pessoais de uma persoinagem só tem uma cena interessante, que é uma cena basicamente de mitologia (personagens cruzando caminhos mesmo fora da ilha), é porque algo saiu bem errado.

Além disso, eu adorei rever o Keamy - um dos melhores e mais marcantes personagens da quarta temporada - mas como ainda não nos foi dada nenhuma pista concreta da relevância da realidade de 2004 à de 2007, fica difícil destacar quais aparições são importantes e quais são apenas cameos, o que me deixa um pouco confuso.

Enfim, um episódio que, mesmo sem encheção de linguiça, conseguiu já se tornar o pior dessa temporada com larga vantagem. O que é ainda mais revoltante, porque eu realmente gostaria que a cena icônica do monstro invadindo o templo tivesse sido melhor escrita e dirigida. Tinha tudo para ser um dos grandes momentos de Lost. Mas se perdeu na incompetência do roteiro.

Um comentário:

  1. Rafael Savastano, uma pessoa inteligente, sensível e crítica... voce merece mais elogios do que aqueles que dizem "ele vê apenas vê o lado ruim das coisas", exatamente por ser sincero e sem rodeios em seus posts. Parabéns!

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