segunda-feira, 24 de maio de 2010

6x17-18 "The End"

Vou tentar exercitar meus poderes telepáticos, de origem místico-científica, e arriscar um palpite: essa não é a primeira resenha, crítica ou análise do Series Finale de LOST que você, leitor, está lendo. E digo mais, provavelmente a maioria das análises que você já leu discorriam não apenas sobre o enredo de Lost, mas também sobre a experiência pessoal do autor com a série, certo?

A métrica mais infalível para discernir uma obra de um fenômeno cultural é avaliar o quanto da própria vida as pessoas associam à vida da obra. Não tenho vergonha de admitir que Lost está para sempre misturada à história dos meus vinte-e-muitos anos. Muito mais do que uma série televisiva em 114 capítulos, Lost era, no início, uma obssessão de tempo integral, que permeava hábitos de leitura, pesquisas na Wikipedia, horas e horas surtando em sites enigmáticos cuja relação com a série era vaga, na melhor das hipóteses. Era uma das melhores desculpas para fazer amizades de toda a década de 00, e grande parte do meu círculo social atual nasceu nas madrugadas desesperadas atrás de links para baixar os episódios, que eram assistidos sem legenda, conforme iam chegando, para serem então discutidos até quando o sono permitisse. Qualquer coisa levemente parecida com uma pista perdida num canto de um frame que só era visto na transmissão em HD era motivo para mil teorias. Os erros de continuidade e de produção não eram perdoados. A mitologia da série se misturava à "mitologia" do próprio grupo de amigos que se conheceu através dela. Como entre os personagens da série, também houveram muitos romances, muitos rompimentos, brigas, polarizações, alguns bebês, e - felizmente - nem de longe tantas mortes, mas certamente um ou dois sumiços dramáticos e inexplicáveis. Como eu disse na análise de "What They Died For," a linha entre os protagonistas e os espectadores de Lost é tênue, e portanto não tem como analisar a jornada completa de Lost sem passar pela contribuição pessoal.

Durante essa minha jornada particular, eu vivenciei bem cedo a revolta que muitos agora direcionam para o Series Finale. Apesar de ter sido rotulado de "massa de manobra de seita messiânica" por causa do meu review positivo de "Across the Sea," a verdade é que eu desencantei da vertente pseudo-científica de Lost muito antes da maioria das pessoas, no final da segunda temporada, quando "eletromagnetismo" era um eufemismo para "energia que faz o que os roteiristas quiserem que faça." Meu lado sci-fi geek é MUITO geek. Não precisou chegar nem perto de viagem no tempo, que dirá de luz mágica dentro de caverna, para que eu me afastasse de Lost, esfriasse a cabeça, e depois me reaproximasse já encarando a série como um drama sobre pessoas onde a mitologia é um veículo, não um destino.

Sob essa abordagem, a de que nem toda mão de treinador de cavalo em cena é uma pista, e de que os mistérios servem para testar a fé dos personagens, não para premiar telespectadores-detetives que venham a desvendar "o final" com antecedência com algum troféu imaginário - nesse aspecto, "The End" é um finale absolutamente digno para uma série que, dentro de seus acertos e (não poucas) falhas, fez história como um verdadeiro marco cultural e pairou acima da maioria das obras televisivas desse início de século.

Antes de qualquer coisa, vamos tirar da frente algo que me incomoda profundamente em qualquer conversa sobre Lost: é evidente que os produtores foram escrevendo a história ao longo da série. Isso não é detrimento NENHUM ao roteiro. Toda história foi escrita em algum momento. Lost começou como uma cena imaginada na cabça de J.J. Abrams durante um vôo. Naquele momento, não existia final, nem mistério, nem nada, era apenas uma queda de um avião. Li em algum lugar que, quando fez o pitch da série para a ABC, Abrams só tinha planejado até o momento da descoberta da escotilha. Ainda não existia final. Os bad numbers, que viraram ícone da série, foram criados por David Fury quando ele ainda trabalhava na série, antes de deixá-la por 24 Horas sem ter escrito qualquer explicação lógica para eles - a explicação ficou por conta de Javier Grillo-Marxuach (que por sinal foi o criador da Iniciativa Dharma) num ARG que ele comandou depois de ter saído, ele mesmo, da série, ao final da segunda temporada, e que foi criado justamente para tentar fechar algumas das questões que não eram centrais à trama, mas que tinham sido introduzidas pelos roteiristas na época em que Lost ainda era uma série sem data para acabar (e consequentemente carente de enredos que a mantivessem por tempo indefinido).

Encaremos a realidade dos fatos. Até o final da segunda temporada, Lost era uma série muito rentável que a ABC pretendia estender por quanto tempo pudesse. Durante dois anos, o importante era sustentar a narrativa, e não dosar meticulosamente pistas para um final que já estava garantido. Foi só durante a crise do mid-season da terceira temporada que Damon Lindelof e Carlton Cuse resolveram ter uma conversa séria com a ABC e exigir que a galinha dos ovos de ouro deles ganhasse uma data de fim, e temporadas mais curtas que não tentassem competir com 24 Horas no número de episódios. Era isso, ou sacrificar ainda mais os índices de audiência, porque o público não ia mais comprar jogo de espelhos e fumaças por muito tempo, e a série precisava de um rumo. A partir daí, sim, as temporadas passaram a ter coesão narrativa e uma espinha dorsal que unia as pontas.

Assim como a maioria das pessoas, eu também passei por uma fase na infância e adolescência em que escrevia contos. Eram uns contos bem sem-vergonhas, mas a maioria deles germinava de uma cena que brotava na cabeça, e daí crescia para sua explicação. O importante era a ambientação e o impacto da cena. Essa filosofia também era aplicada nas mesas de RPG que eu mestrava. Muitas aventuras de mistério e terror que meus players lembram até hoje (sempre fui fã ardoroso de Ravenloft, nem imagino o porquê) nasciam de cenas soltas que eu imaginava serem assombrosas para os jogadores, e dali em diante, conforme o desenrolar das aventuras, a explicação dos mistérios ia surgindo como consequência das pistas, e não o contrário. Me desculpem se estou decepcionando alguém, mas as duas primeiras temporadas de Lost foram certamente escritas da mesma forma. Com muito mais técnica e competência envolvidas, claro, mas ainda assim, Lost é um mistério escrito de fora pra dentro. Isso significa que os produtores trapacearam? Claro que não. Vocês ficariam surpresos com a quantidade de histórias com reviravoltas e enigmas que são escritas desse jeito, e para desbancar de vez a tese de que elementos inseridos depois do primeiro capítulo são irrelevantes e/ou encheção de linguiça, só menciono dois personagens que surgiram como participações especiais e foram ampliados por causa da resposta do público: Desmond David Hume e Benjamin Linus. O quão irrelevantes eles soam para vocês?

Pronto, agora que isso saiu do meu peito, posso falar sobre "The End" em paz. Não vou repetir o que muita gente mais entendida que eu já falou sobre como Lost reinventou sua própria estrutura estilística ao longo das temporadas, e como isso é genial e tudo o mais. Quem me conhece sabe que um dos momentos mais chocantes da minha vida enquanto telespectador de teleséries foi o último capítulo da terceira temporada, em que todos assistimos por mais de uma hora a cenas do futuro sem saber do que se tratavam, e tomamos na cara aquela aparição de Kate e aquele "We have to go back!" Nenhum outro momento de "te peguei" na séire desde então teve um impacto tão forte quanto aquele. Nem mesmo a última reviravolta de "The End," aquela que explica finalmente a "realidade paralela" que vínhamos acompanhando desde o início dessa temporada, mas rapaz - chegou bem perto. Ao ponto de eu por um momento não entender o que estava vendo, e subitamente, como um raio, tudo ficar claro, e meus olhos se encherem de lágrimas. Não me importo que tenha sido a reviravolta mais descaradamente espiritual da série até a data - nunca me incomodei com espiritualidade em obras de ficção científica, inclusive porque é um recurso manjadíssimo pra quem não estreou no universo nerd com Lost - aquela cena me deixou moído, com cara de paisagem, me sentindo mais uma vez ludibriado, da forma boa, pelos produtores (eles sempre disseram que *a Ilha* não era o purgatório... boa, Darlton, muito boa). Injetou significado retroativamente em todos os episódios da temporada, e todas as estranhezas e as coincidências das vidas que os Losties levavam nela se encaixaram de forma cristalina. Eles precisavam uns dos outros. Precisavam se reencontrar, mesmo que além do plano mortal, para seguir em frente. E que metáfora filha da puta para nós, espectadores-protagonistas, que também tivemos que deixar a Ilha, e que também precisamos seguir em frente depois de termos sido parte de Lost por seis anos. A sexta e última temporada de Lost tem na resolução de seu enredo um motivo apenas secundário. O principal, o essencial, era a despedida. O fim da jornada que foi assistir - e produzir - Lost. Um tema que fala forte àqueles que realmente se envolveram com a série, não aos que assistiam aos pedaços, sem atenção, procurando cenas ou diálogos patronizadores que preenhcessem listinhas frias de "perguntas sem respostas." E por se envolver, quero dizer se envolver com a história, não necessariamente ficar obcecado por cada minúcia, por cada campanha de marketing, por cada spoiler vazado, etc. Quero dizer se importar mais com o bem estar de Jack, Kate, Sawyer, Hurley e tantos outros, do que com a ilha que uniu nossas vidas às deles.

E, diga-se de passagem, para quem tinha se decepcionado com a "Luz dentro da caverna" de Across the Sea, o series finale de Lost deixa bem claro que não sabemos nada de nada. Não havia uma bola flutuante de luz dourada dentro de uma caverna de pedra, e sim um ambiente com sinais claros de intervenção inteligente, com mecanismos, com mais enigmas separando mesmo os candidatos empossados da verdadeira natureza do poder da ilha. Os órfãos da pseudociência podem se esbaldar em teorias pelo resto da vida aqui, desde civilização Atlante até Exogênese, porque essa é a parte que os produtores deixaram de legado para os fãs (e para a Disney, que certamente vai continuar ordenhando essa mitologia por algum tempo). Eles foram bem específicos quando disseram que a história que eles iriam terminar de contar era a dos passageiros do vôo 815 e dos amigos e inimigos que cruzaram seu caminho. O que realmente é a luz, o que realmente é o monstro, o que realmente é a Ilha... para isso existem gazilhões de teorias na internet muito mais elaboradas do que eles jamais se prestariam a criar. A falta de respostas não é uma trapaça, é uma concessão. Lost é dos fãs, também, e já que eles se apropriaram tão ferrenhamente da mitologia, para quê estragar a explicação pessoal de 99,9% deles para fazer 0,1% felizes por uns poucos dias, enquanto ainda tiverem fôlego para dizer "eu avisei"? Não faz sentido.

O episódio final de Lost foi arrebatador porque me deu exatamente aquilo que eu queria ver, e em quase todas as ocasiões, com atuações memoráveis de todo o elenco. Retiro o que disse semana passada, que preferia que a missão de Desmond no flashpurgatório tivesse começado mais cedo na temporada, porque não poderia ter sido diferente. Não ia ter o mesmo impacto ver o "despertar" de cada um dos Losties se não fosse tudo de uma vez, com a trilha sonora do Giacchino debulhando, e culminando na cena da igreja ecumênica. Quase todos os reencontros me levaram às lágrimas, alguns (o ultra-som de Sun, o parto de Claire, e a monstruosa cena de Sawyer e Juliet), confesso, ao choro compulsivo. Só o final de Sayid é que destoou horrendamente do resto, acho que de propósito - já que o Naveen Andrews, apesar de competente em cena, sempre desdenhou da série na mídia para quem quisesse ver. Unindo isso à atuação claramente para-cumprir-contrato da Maggie Grace e tivemos a cena mais dispensável do finale.

Mas essa foi a única cena realmente ruim. Algumas outras ficaram meio dispensáveis, como aquele pulo do Jack na última cena antes do intervalo de seu confronto final com FLocke, que beirou o pastelão. Mas não chegou a estragar a porrada, que foi épica (E um parêntese aqui para quem disse não ter entendido o papel de Desmond na derrocada do Homem de Preto, é bastante óbvio - Desmond tirou a Ilha da tomada e o deixou mortal por tempo suficiente para Kate, numa participação digna da Kate das primeiras temporadas, enfiar uma bala no infeliz e acabar de vez com a ameaça do fumacento. Jacob pensa em tudo!). E eu esperava um tiquinho mais do Jorge Garcia na cena em que - outra reviravolta maravilhosa que me marejou a vista - Jack repassa a ele o bastão de protetor da Ilha antes de dar sua vida pela causa que levou seis temporadas para aceitar. Aliás, que cena fenomenal aquela em que ele diz ao Flockezilla que este desrespeita a memória de John ao usar seu rosto. Jack foi escrito para esse momento, e se seus episódios ao longo da série eram sempre fillers chatos, nesse último ano ele mereceu realmente o posto de protagonista central que estava há tanto tempo guardado para ele. Quanto ao Jorge, ele compensou o deslize nessa cena com duas outras cenas tocantes com Michael Emerson.

Aliás, falando em Emerson, ele e Terry O'Quinn fecharam seus personagens magistralmente. Cada cena com Ben e Locke (e FLocke) nesse episódio é uma aula. O diálogo entre os dois na porta da igreja é possivelmente a melhor cena que eles dividiram na história da série, talvez empatando com a cena final de "The Life And Death of Jeremy Bentham," sem o impacto violento desta, mas com dois diálogos paralelos acontecendo, um verbal e um só de olhares. Dois gênios em cena. E como negar que Josh Holloway segura a cena com Liz Mitchell em pé de igualdade naquela que foi a mais aguardada e emocionante cena de despertar? Diabos, até a Evangeline Lilly segurou uma cena como "gente grande," quando tem aquela conversa com Jack no fim do show beneficente. Em seis anos de série, ela nunca tinha me convencido como me convenceu com aquele "I missed you so much." E o que dizer das expressões de Daniel Dae-Kim e Yunjin Kim quando, já cientes de quem são, conversam com um ainda confuso James Ford no hospital? Poderia rever aquela cena mil vezes.

No geral, The End é um episódio para ser sentido. Tem, sim, sua dose de ação - muito bem dosada e dirigida, diga-se -, de idas e vindas, com o trio Lapidus, Miles e Alpert consertando o avião e parando em cima da hora para Sawyer, Claire e Kate embarcarem, com o confronto final entre Jack-ob e Flocke, e toda aquela autoreferência certeira comparando a caverna com a escotilha da Estação Cisne, mas a essência do episódio está nas atuações, nas resoluções pessoais de cada um dos Losties, nas cenas que os produtores deram para cada um dos membros do elenco, e que a maioria aproveitou muito bem (Até o Dominic Monaghan e a Elizabeth Mitchell, que nem eram mais do elenco fixo, representaram de corpo e alma suas cenas, o que só aumenta minha vergonha alheia pela Maggie Grace e pelo Naveen Andrews). É um episódio sobre a própria série, sobre como nós vivemos intensamente essa Ilha por seis anos, vendo muitos de nossos companheiros se revoltarem e abandonarem a série, vendo a própria série se reinventar para se tornar um projeto fechado, sobre como os episódios bons nos tocaram e os episódios ruins nos revoltaram, e sobre o que fazer agora que as cortinas cairam. Seguir em frente, dizem Carlton Cuse e Damon Lindelof. Aprender com a experiência, guardar dentro de nós mesmos o que ficou de bom, e partir para a próxima. Como temos mais sorte do que os Losties, não precisamos esperar até o próximo passo no ciclo da existência para recuperar os laços perdidos. Estamos todos aqui, bem ou mal. E só esperando a próxima aventura que virá nos tirar o sono e nos fazer viver um pouco da fantasia compartilhada que deixou sua marca em tantas vidas de tantos grupos de amigos.

Como diriam os guardinhas da cena final de O Show de Truman... vamos ver o que mais está passando? ;)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

6x16 "What They Died For"

E aqui estamos, a menos de uma semana do fim. E eu arrisco dizer que não há um fã de Lost, por mais desanimado que esteja com a série, que não tenha ficado ansioso pelo desfecho depois desse episódio. Os produtores são espertos. "Across the Sea" foi o arremate na mitologia misteriosa criada pela série, e foi um episódio polarizador, para dizer o mínimo, uma vez que as explicações, propositadamente vagas nos pontos em que não se fazia extremamente necessário ser específico, deixaram muitos telespectadores confusos ou decepcionados com o tom adotado. Isso já era esperado, e praticamente inevitável (Aos que se sentem traídos por terem acreditado nas declarações antigas dos produtores, apregoadas cegamente pelos zelotes de Lost - zeLostes? -, só posso dizer que, a 5 anos do fim da série, era a única coisa que eles podim fazer, renegar qualquer teoria levantada pelos fãs. Ou alguém preferia que eles tivessem dito "ok, era isso mesmo, mas por favor assistam o resto da série fingindo que não sabem?" E eu entendo perfeitamente a decepção dessa gente, porque eu mesmo a tive no season finale da segunda temporada, quando o abuso de boa vontade com a pseudo-ciência de Lost ultrapassou os meus limites. Se hoje eu assisto e gosto da série é porque eu me reaproximei dela com outras expectativas totalmente, no fim da terceira temporada.)

Então, o melhor a fazer, foi lançar a bomba antes do fim, deixar a poeira assentar, e se concentrar em contar o resto da história, que - na minha humilde opinião de fã reconquistado - é bem mais importante do que a mitologia genérica. "What They Died For" é o episódio responsável pelo controle de danos do episódio anterior e por direcionar novamente o foco dos fãs divididos apara a história sendo contada. E faz isso muito bem.

Antes de qualquer coisa, Lost é uma série sobre pessoas. 6 anos de exibição depois, se alguém ainda não tinha notado que o foco do programa é nas reações dos personagens ao ambiente que os cerca, e não no ambiente em si, estava assistindo por masoquismo. Muita gente diz que Lost foi uma série "revolucionária" meramente porque ela virou o sucesso que virou, mas sem a mais vaga idéia de qual revolução o programa tenha promovido. Mas um dos elementos chave de Lost, que faz a série ser o que é, é justamente não criar situações comuns em obras de ficção, em que o telespectador é onisciente. Não existe a cena inicial na mansão do vilão em que ele explica, logo de cara, tudo o que vai fazer pelo resto da projeção. Não existe a vontade de gritar para um protagonista "seu burro, ele está atrás da porta!" O que faz Lost ser Lost é a idéia de que os telespectadores e os protagonistas estão no mesmo barco. Vislumbres além do que os personagens principais enxergam são raros, dosados, e muitas vezes são antecipações curtas de revelações que os personagens terão, quase sempre no mesmo episódio. Até o vislumbre final, tão aguardado, da origem das entidades que controlam a Ilha, foi repassado aos candidatos pelo própio Jacob em "What They Died For," de forma sucinta. Não somos semideuses que observam o tabuleiro. Somos peças, como Jack, Locke & cia.

E aí é que está a magia da série: nos colocando em pé de igualdade com os personagens, sentimos na pele as diferenças entre as nossas reações, e as reações deles, pessoas imperfeitas e solitárias, únicas, e que justamente por serem únicas, eram candidatas a um posto único, o de guardião da Luz da Vida em uma ilha que fica em algum lugar entre lá e cá, por um tempo infinito para padrões humanos. Aquele grito tão repetido por nós, telespectadores, ao longo da série - "PQP, por que fulano não fez X e Y?" - é a verdadeira revolução de Lost. É um recurso muito sofisticado e inédito em séries de TV veiculadas em massa. É o que faz o telespectador se apaixonar pelas personagens, mesmo estas sendo tão distantes do ideal do protagonista padrão. Eles são estranhos, dúbios, emotivos demais, cruéis, fracassados, mas são nossos amigos, porque estivemos nessa ilha com eles e vivemos os mesmos momentos "WTF?!" junto deles, e, assim como eles, somos parte do grupo.

Pois bem. Sob esse aspecto, "What They Died For" é um episódio basicamente perfeito. Reúne quase todos os elementos icônicos de Lost, nos traz performances maravilhosas de Terry O'Quinn e Michael Emerson (ambos representando dois personagens absurdamente opostos cada um), aparições inesperadas de Mira Furlan (de banho tomado!) e Michelle Rodriguez, um embate nostálgico entre o Jack da ciência e o Locke da fé na realidade paralela, a conversão final do Jack em homem de fé na realidade principal (e um comentário perfeito de Sawyer sobre seu Complexo de Deus), e finalmente mostra de forma satisfatória a missão de Desmond'04 para "acordar" cada um dos passageiros do vôo 815, com a ajuda do já convertido Hurley. Aliás, se eu tenho uma reclamação a fazer sobre o episódio 6x16, é justamente que não deviam ter esperado até o penúltimo episódio para engrenar o enredo do Desmond em 2004, que foi a única coisa que eu acertei nos meus chutes sobre a sexta temporada dados na época do fim da quinta, e é uma história que eu realmente gostaria muito de assistir, por mais do que 3 episódios.

E agora é isso. Esperar mais 4 dias e torcer muito para que o ritmo e a tônica do Series Finale seja igual aos desse 6x16. É claro que, sendo o fim da série, não haverá nada a perder, nenhuma audiência para recuperar no ano seguinte, e consequentemente os produtores e o diretor vão se sentir no direito de extravasar qualquer recurso que eles tenham guardado para nós por esses longos 6 anos. Mas vou dar um voto de confiança ao trio Lindelof/Cuse/Bender, acho que eles fizeram por merecer.

O duro é aguentar a saudade depois.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

6x15 "Across the Sea"

Antes de qualquer coisa, eu sei que fiquei devendo um gazilhão de comentários ao público desse blog, mas desde que eu descobri que ia ser pai, tem sobrado pouca energia e paixão para dedicar a qualquer outro assunto. Porém, agora chegamos na tão temida e aguardada reta final da série, e aquela comoção já bem profetizada entre os fãs da série começou a tomar as redes sociais de assalto, então sinto que um comentário se faz necessário. Ainda pretendo comentar, ainda que retroativamente, os episódios que deixei de lado, mas por enquanto vou esquecer o completismo em prol da chance de participar da discussão sobre o fim da série em "tempo real."

Como muitos dos episódios dessa sexta temporada, "Across the Sea" é um episódio atípico, que não segue o formato da série de intercalar duas narrativas ao longo da projeção. Escrito pelos produtores e dirigido pelo cada vez mais competente Tucker Gates, o 15º episódio da última temporada é um grande e elucidador flashback sobre as origens dos dois antagonistas que puxam as cordas de todos que cruzam o caminho da ilha (ou seria o contrário?) desde o início da série. E é também um episódio sensível, belo, envolto em mitologia - tanto histórica quanto da própria série - e que dá, sim, muitas e boas respostas. Acho que o que falta na maioria dos fãs é a vontade de enxergá-las.

Em primeiro lugar, eu acho que Damon Lindelof e Carlton Cuse estão fazendo um trabalho excelente no que tange a arrematar uma mitologia que tanto instigou a imaginação dos fãs e que, por consequência, jamais seria satisfatória para a maioria. É um efeito conhecidíssimo no entretenimento, esse da decepção que os fãs sofrem quando os mistérios de uma obra muito longa são solucionados, porque quanto mais tempo um espectador/leitor tem para teorizar sobre as questões da obra, mais eles se apegam e se apropriam de suas próprias explicações hipotéticas. Para um roteirista, a melhor opção para assegurar-se que um desfecho não será apreciado apenas pela pequena parcela do público que mantém as expectativas baixas e assiste sem se apropriar (eu) é jogar muito mais com sensações do que com palavras. "Across the Sea" é exatamente isso. Um episódio feito de sensações, de arquétipos, de imagens. É uma história com respaldo em quase todas as mitologias religiosas do mundo, uma história que não precisa de nomes ou etiquetas. A Luz que cada um carrega em si pode se chamar Deus, ou Anima, ou Mana, whatever. A Ilha pode se chamar Éden, Israel, Asgard, Dimensão X, que seja. Não é o nome que importa. É a simbologia.

O que as pessoas não compreendem, na minha humilde opinião, é que Lost é uma jornada do real à realidade fantástica e, finalmente, ao espiritual. Como qualquer caminho da iluminação, não adianta ser informado friamente sobre o que há por trás do véu, é preciso erguê-lo aos poucos para que o conhecimento não seja imediatamente rejeitado pelos sentidos. Começamos a série com um grupo de pessoas que viviam um acidente de avião bastante real, que se deparavam com situações verossímeis porém desconectadas (ursos polares numa ilha tropical), depois analisavam cientificamente a ilha (com a ajuda dos restos mortais da Iniciativa Dharma) e progressivamente descobriam que, assim como a ciência em relação a Deus, embora a maioria das coisas inicialmente inexplicáveis tivessem causas científicas, essas próprias causas científicas muitas vezes continuavam um mistério em sua fonte. Os efeitos estranhos da ilha eram causados pelo magnetismo, mas o que causa o magnetismo? Os Outros eram pessoas como os Losties que foram para a Ilha para seguir um sujeito chamado Jacob, mas quem era Jacob? Pouco a pouco, as pequenas estranhezas se tornaram grandes estranhezas: viagens no tempo, teletransporte, humanos imortais, uma fumaça negra sensciente que se locomove por aí. Coisas que a ciência fantástica já fazia malabarismo para explicar. E agora, enfim, uma parábola digna das religiões nos traz ao cerne de fé da série, àquele ponto em que a ciência joga a toalha e se assume incapaz de explicar com as ferramentas que tem à mão.

Muita gente pode ter ficado ofendida com a falta de objetividade científica na apresentação da história da Ilha, mas se esquecem que "Across the Sea" se passa em uma época onde o mundo era mais místico, aonde a explicação para a chuva e o vento eram tão não-científicas quanto para uma luz que vive dentro de cada um. Aliás, mesmo nos dias de hoje, a alma humana é considerada um fato pela ciência, mas não é cientificamente explicada. Quem está se decepcionando com o "misticismo" de Lost, tinha que se decepcionar também com toda a História Natural por esse grande furo de roteiro.

E se você prestar atenção no que está sendo contado ao invés de procurar respostas como quem pula para as últimas páginas de uma revista de passatempos, verá que a ciência e a fé continuam equilibradas no universo de Lost. Toda a história de Jacob e seu irmão sem nome (que eu já chamei de Esaú mas apelidei de Prometeus depois desse episódio) é a mesmíssima história ecoada por Jack e Locke na primeira temporada, a batalha entre a ciência e a fé. Jacob é o homem da fé, aquele que mesmo se sentindo preterido e às vezes diminuído na presença do irmão engenhoso, aceitava o que sua mãe lhe dizia, as regras que seu irmão criava, aceitava seu destino como lhe era apresentado. Já o homem de preto era a ciência. Aquele que passava a infância se questionando sobre o que havia além do mar, aquele que questionava a sabedoria da "mãe," aquele que abdicou da divindade para se unir aos homens, cuja falibilidade ele desprezava, por admirar sua curiosidade e seu questionamento. Aquele que queria estudar a Luz como um cientista estuda a natureza. Aquele que se revoltou contra a criação por esta lhe esconder respostas e que matou Deus.

No fim das contas, Lost continua sendo exatamente o que seus produtores sempre disseram que seria, uma história sobre fé versus conhecimento. E a julgar pela trajetória do protagonista Jack Shepherd, que é o cientista convertido pelo sacrifício do profeta John Locke, pode-se dizer que a "moral" de Lost está do lado da fé, ao menos daquela fé intrínseca e necessária para que o homem não vire uma máquina. Não acho errado. Ciência e Fé, em obras de ficção, são metáforas para Razão e Sensibilidade. E eu, como uma pessoa naturalmente dada à Razão, sei bem que levei muito tempo e muita porrada até entender que a Sensibilidade não pode ser ignorada em nenhuma equação e que a Razão pura é muitas vezes amoral e danosa, por mais elegante e poderosa que ela possa ser. Em um mundo onde a fé é praticamente só usada - racionalmente - para fins políticos, Lost conseguiu mostrar, de uma forma amigável para as mentes inquisitivas do século da Ciência, que há beleza na fé. Que há coisas que a Ciência não consegue tocar, mas consegue destruir se quiser, e isso é um território perigoso. Mas não sem fazer uma ressalva, claro. Quando Jacob se deixa levar pela emoção, mata seu irmão e abre a Caixa de Pandora que agora ameaça engolir o mundo com sua escuridão tecnocrata na forma do Fake Locke, a mensagem é cristalina: a fé cega é infinitamente destrutiva.

Se isso não é resposta suficiente para você, não tenha grandes esperanças para o series finale.

quarta-feira, 10 de março de 2010

6x07 "Dr. Linus"

Ok, com um título como esse, era óbvio que o episódio seria, no mínimo, bem melhor do que o da semana passada. Mas "Dr. Linus" foi além, bem além, e conseguiu voltar ao tom que "The Substitute" tinha estabelecido. Será coincidência que um tenha sido Locke-cêntrico e o outro Ben-cêntrico? Claro que não.

Escrito por Edward Kitsis e Adam Horowitz, a dupla de roteiristas que, depois dos Darlton, mais escreveu episódios na série (e que, descobri ainda agora, assina o roteiro de Tron Legacy, consequentemente subindo meu interesse no filme em aproximadamente 2000%), o roteiro desse episódio é tão distante de "Sundown" em termos de qualidade que, se tivesse assistido aos dois episódios seguidos, acho que eu teria um choque anafilático. Claro que é covardia comparar o trabalho de gente que basicamente construiu as personagens do zero com o trabalho de gente que tá chegando agora, mas isso é só uma justificativa lógica para reforçar minha reivindicação de que não entreguem mais roteiros nas mãos de novatos nessa temporada.

Além disso, finalmente deram ao Michael Emerson um episódio inteiro para ele fazer o que faz melhor, e o cara não decepciona. E digo mais, pela primeira vez desde que resolveram dar vazão ao lado "bonzinho maltratado" de Ben eu realmente acho que fizeram a coisa direito. Ok mostrá-lo como vítima das circunstâncias, mas simplesmente ignorar o lado maquiavélico e faminto por poder que sempre o definiu era desperdiçar dolorosamente um dos personagens mais cativantes da série.

O episódio mostra que, na realidade de 2004, Ben é essencialmente o oposto do antigo líder dos Outros que amamos odiar. É arrepiante vê-lo contido, reprimido, vivendo segundo as regras da sociedade. Toda a fúria assustadora do Ben da ilha dormente no fundo dos olhos do professor de História Européia, prontos para explodir. E mesmo quando Arzt (aliás, que dupla hein? Parando para pensar eles realmente têm muito a ver) diz que ele é "um matador," Linus contém um sorriso, contém a fagulha, como alguém que passou a vida inteira se reprimindo e não sabe fazer o contrário.

No entanto, o ponto comum dos dois Benjamin é o mesmo - o amor paternal por Alex. E é emocionante ver que, ao menos em 2004, esse amor superou sua sede de poder. E deu uma enorme credibildade ao ódio que ele nutre por Jacob na linha de tempo principal. Não fosse sua fé cega de que Jacob o protegeria de qualquer mal, ele talvez tivesse cedido às ameaças de Keamy e poupado a vida de Alex. Ele não é tão desnaturado assim. Ele só foi abandonado pelo objeto de sua fé.

Outro que compartilha do mesmo sentimento é Richard. Pela primeira vez, Nestor Carbonell teve uma cena pra si, e não desperdiçou. E, muito para minha felicidade, Matthew Fox correspondeu à altura e me fez lembrar do Jack de "Through The Looking Glass," satisfazendo minha reclamação feita na resenha de "Lighthouse" sobre terem esquecido daquele Jack atormentado e tornado ele um figurante de luxo, cujo maior sinal de instabilidade emocional havia sido dizer para Hurley "estou quebrado" com uma cara de paisagem que não convence ninguém.
Ali no Black Rock, quando ele se senta diante de Richard em um ato de fé cega naquilo que acabara de ouvir (que os candidatos tocados por Jacob não podem morrer até cumprir um propósito), eu voltei instantaneamente a gostar de Jack. Espero de coração que ele se mantenha nesse tom pelo resto da temporada.

As outras atuações do episódio também estão muito boas. São poucas as ocasiões em que eu gosto do Miles, mas nesse episódio ele foi excelente. E inclusive deram um downgrade sério nas habilidades dele, com essa história dele só conseguir ler os últimos pensamentos dos cadáveres à hora da morte. Acho mais elegante e condizente com o teor da série do que o Miles que batia papo com fantasmas (até porque, essa agora é a função do Hurley).

E, mais uma reclamação sobre "Lighthouse" atendida, as autoreferências nesse episódio estão na mosca. Locke dizendo que apoiaria Ben se ele quisesse ser diretor; Miles "encontrando" os diamantes de Paulo e Niki; Richard estranhando as correntes que amarraram o pai de Locke quando ele foi morto por Sawyer, todas essas cenas estavam muito bem contextualizadas e nenhuma foi óbvia ou descarada. Ao invés de nostalgia, elas evocaram uma genuína sensação de peças se encaixando.

No conjunto, "Dr. Linus" foi um episódio perfeito. Emocionante no desenvolvimento de seu personagem-tema, intrigante nas suas revelações mitológicas, cativante em seu ritmo, e de quebra ainda terminou com duas cenas de grife clássicas da série: um reencontro emocionante ao som da trilha maravilhosa de Michael Giacchino, e um gancho de fazer pular da cadeira e gritar sonoros palavrões.

No geral, a sensação é de que o sétimo episódio da derradeira temporada de Lost não fica devendo em nada aos grandes momentos da série. Lost ainda é Lost, e se tudo correr bem, será até o final!

quarta-feira, 3 de março de 2010

6x06 "Sundown"

E eis que, infelizmente, a sexta temporada de Lost tem seu primeiro episódio genuinamente ruim. Não que "Sundown" tenha sido um episódio inútil, o famoso filler - pelo contrário, a história avança em alguns pontos fundamentais e de forma bem interessante. Porém o que mata o episódio são os diálogos terríveis, rasos e repletos de clichés, que por pouco não tomaram o lugar do episódio 3x03 "Further Instructions" como pior teleplay da história da série (mas a verdade é que ninguém jamais superará "Ouvi dizer que os ursos polares são tipo os Einsteins da comunidade úrsica" mesmo que tente muito). Todas as tentativas do episódio de construir uma atmosfera emocional soam tão forçadas que eu me senti lendo um livro de Dan Brown em certos momentos. Há passagens dolorosas, como a hora em que os filhos de Nadya dizem "mamãe, achei uma foto sua na mala do Tio Sayid" ou o inexplicável (ainda que bem coreografado) kung fu entre Sayid e Dogan, que lembra aquelas animações japonesas aonde todos os personagens sempre caem na porrada por vários minutos antes de se apresentarem e eventualmente ficarem amigos, como se voadora na cara fosse cartão de visitas. E toda a história de Dogan sobre seu filho - dava pra ser MAIS genérico e saturado?

Dava sim, fazendo o mestre da manipulação e da mentira Flockezilla tentar seduzir Sayid com "e se eu te dissesse que você pode ter o que quiser?" e ver o ex-torturador Iraquiano calejado de guerra responder com um ridículo "O que eu queria morreu em meus braços." Ah, vai te catar né? É como se tivessem pego a resenha do episódio e passado por um gerador automático de script sem jamais olhar duas vezes pro resultado. A interpretação de louca da Claire só faltava um chapéu de Napoleão pra ficar completa. E por aí vai uma série infinita de reclamações.

Como o episódio foi escrito a duas mãos, não sei exatamente quem culpar por essa hecatombe. Um dos roteiristas, Paul Zbyszewski, escreveu alguns episódios da metade da quinta temporada para cá, entre eles "Jughead," "Namaste" e "Follow the Leader," que embora não tenham sido os pontos altos da temporada também não foram tão gritantemente mal escritos. O outro autor, Graham Roland, tem um currículo menor. Escreveu 2 episódios de Prison Break e foi editor de história nos 4 primeiros episódios da temporada, sendo esse o seu primeiro crédito como roteirista em Lost. Por ser o estreante, vou direcionar minha frustração a ele. Pelo amor de deus, Darlton, não deixem esse cara chegar mais perto de nenhum editor de texto, máquina de escrever, caneta, lápis, pena ou carvão que seja! Estamos num estágio muito avançado de uma série muito complexa e cultuada para vocês ficarem dando colher de chá pra estagiário desse jeito.

Mas a despeito dos diálogos robóticos, e apesar de estabelecer - sem qualquer justificativa - que Dogan era o responsável por manter o monstro de fumaça longe do templo (não era o círculo de cinzas?!), "Sundown" é um episódio importante para a mitologia. Primeiro, ao mostrar que aquele papo que o Fumacinha mandou pro Sawyer em "The Substitute" estava mal contado. Se ele precisava apenas de um candidato do lado dele pra se mandar, pra que ele foi atrás do resto dos Others no templo, pra que angariar o Jin e pra que aceitar a Kate na comitiva mesmo sem ter dado "oi" pra ela, que dirá feito a lavagem cerebral padrão dele? Aí tem.

Já o enredo da realidade alternativa foi totalmente esquecível, exceto pelo final. Já deu pra entender que as duas realidades encarnarão as duas essências de Lost: uma focada na mitologia, outra focada nos personagens. Não deixa, inclusive, de ser uma saída engenhosa dos produtores. Mas quando toda a parte do episódio que deveria ser dedicada aos dramas pessoais de uma persoinagem só tem uma cena interessante, que é uma cena basicamente de mitologia (personagens cruzando caminhos mesmo fora da ilha), é porque algo saiu bem errado.

Além disso, eu adorei rever o Keamy - um dos melhores e mais marcantes personagens da quarta temporada - mas como ainda não nos foi dada nenhuma pista concreta da relevância da realidade de 2004 à de 2007, fica difícil destacar quais aparições são importantes e quais são apenas cameos, o que me deixa um pouco confuso.

Enfim, um episódio que, mesmo sem encheção de linguiça, conseguiu já se tornar o pior dessa temporada com larga vantagem. O que é ainda mais revoltante, porque eu realmente gostaria que a cena icônica do monstro invadindo o templo tivesse sido melhor escrita e dirigida. Tinha tudo para ser um dos grandes momentos de Lost. Mas se perdeu na incompetência do roteiro.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

6x05 "Lighthouse"

Ok, para um episódio escrito pelo trio "dono" da série (roteiro de Damon Lindelof e Carlton Cuse, direção de Jack Bender), Lighthouse é um episódio fraco. Não que seja um episódio ruim, mas não tem jeito, sempre que se ouve falar que "o próximo episódio é escrito pelos produtores" a gente - ou eu, pelo menos - aumenta a expectativa por um episódio sem gorduras ou fillers. E a verdade é que o quinto episódio dessa temporada tem poucos fillers, mas nem por isso se destaca como um episódio-chave.

Pode ser porque eu não curto episódios do Jack (à retumbante exceção do season finale da terceira temporada), e não é que eu ache Matthew Fox mau ator, é só que o Jack é um personagem chato. Os conflitos dele são chatos. 90% das cenas dedicadas ao desenvolvimento da personagem me fazem lembrar que, no roteiro original do piloto da série, ele morria. Não duvido que ele vá ter importância para o desfecho, mas será que essa importância justifica tantos episódios do mesmíssimo drama familiar? Enquanto Sawyer, Hurley, Sayid, Locke, Sun e Jin tiveram arcos evolutivos bem demarcados ao longo da série, Jack parece que nunca sai da mesma nota. E isso porque o salto de 3 anos que o deixou barbudo e transtornado veio na exata metade da série, ou seja, tinha todas as chances de evoluir dali pra frente, mas parece que esse aspecto foi esquecido. Pior que ele, só a coitada da Kate.

Mas teve outra coisa que me incomodou em Lighthouse: o saudosismo descarado. Autoreferências são ferramentas poderosas na cultura pop, e normalmente funcionam bem em Lost, mas nesse episódio, sei lá por quê, a impressão que passou foi que os produtores estavam apenas tendo uma crise nostálgica da primeira temporada, ao contrário de trazendo à tona questões antigas que serão relevantes ao roteiro. Talvez o recurso de usar Hurley para refletir as teorias do público tenha me cansado. Ou talvez seja perigoso evocar tantas memórias da primeira temporada sem garantir que o episódio corrente vá estar à altura.

Exemplo cristalino do que eu digo: a forma como os Darlton encheram a cena de Jin e Claire na cabana com acenos ao episódio em que Sayid é capturado por Rousseau. Passou dos limites da referência e virou paródia. Me fez ficar esperando da pobre Emilie DeRavin uma atuação no mínimo tão forte quanto a da Mira Furlan, o que é francamente covardia. E o quão contraproducente é fazer Hurley e Jack discutirem que "aqueles eram os dias," validando totalmente o sentimento de que Lost nunca vai terminar com a mesma grandiosidade que começou?

Sem falar de algumas cenas onde os produtores pareciam estar exorcizando todas as críticas que eles lêem há 5 anos sobre inconsistências na forma como os mistérios são tratados. Hurley dizendo que nunca haviam visto o farol porque "não estávamos procurando" foi basicamente Darlton dizendo "olha, a história é essa e a gente coloca e retira elementos como a gente quiser, se não gostou vai ver reality show e não torra." O que calha de sempre ter sido a minha opinião em infindáveis debates com outros fãs que anotam cada detalhe de cada episódio pra ficar cornetando depois. Mas precisa descer oficialmente do salto assim? Ou botar cenas em que Jack e Kate se encontram no meio da floresta e batem papo como vizinhos que se cruzaram a caminho da padaria?

No fim das contas, Lighthouse é um episódio tecnicamente perfeito, mas que não empolgou. Claro que eu também gritei com a televisão quando Jack fez o Jack e arrebentou o espelho, mas tudo o que veio antes e tudo o que veio depois foi basicamente nostálgico, divertidinho, e meh. Tanto que eu demorei quase 3 semanas para criar coragem e escrever essa resenha, e só o fiz por completismo já que os dois episódios seguintes, esses sim, me empolgaram para escrever, embora por motivos muito diferentes. Mais a seguir.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

6x04 "The Substitute"

E parece que a sexta e última temporada de Lost finalmente foi agraciada com um episódio de mitologia, e não é nenhuma surpresa pra mim que eu o considere o melhor dos 4. Longe de mim virar um desses telespectadores que valorizam mais os mistérios do que os personagens (até porque, isso é caminho certeiro para a decepção, já que muitos dos mistérios da série são puro jogo de espelhos e fumaça e poucos vão ter respostas definitivas), mas 3 episódios com tão pouco dedicado ao núcleo da estátua estavam me deixando infeliz. Além disso, "The Substitute" foi magistralmente montado para satisfazer tanto a sede por mitologia, na linha temporal de 2007, quanto a sede de atuações e cenas de construção de personagem, na linha temporal de 2004. De fato, foi um episódio tão intenso que eu tinha certeza que tinha acabado no penúltimo bloco, e já estava plenamente satisfeito naquele ponto. Quisera que todo o resto da série fosse escrita nesse ritmo, certeza que a temporada valeria por duas.

Antes de mais nada, deixem-me frisar que essa última temporada é toda do Terry O'Quinn. Ele é tão competente no que faz que até fisicamente diferentes são as duas personagens que ele interpreta, e sem qualquer tipo de maquiagem ou adereço. E digo mais, ambos totalmente díspares do Locke da ilha. O Locke de 2004 é uma pessoa bem mais plácida e madura do que sua contraparte que caiu com o vôo 815, e mesmo antes de vermos Helen em cena, a atuação de Terry já havia comunicado claramente essa diferença. Por outro lado, o monstro no corpo de Locke é assustador, ainda mais assustador do que o Locke da primeira temporada. Ele tem os olhos frios, calculistas, e com um rancor que genuinamente parece ter sido curtido por centenas de anos. E ainda assim, quando o misterioso menino loiro surge para confrontá-lo com a crueldade dos seus atos, ele responde com um já familiar "Não me diga o que não posso fazer" que, apesar de remeter ao dono do corpo que ele agora veste, tem sua base em um ódio infinito, não em uma frustração humana.

Outro destaque desse episódio foi a direção de Tucker Gates, diretor da tchurma do JJ que foi trazido de volta lááá da primeira temporada (quando dirigiu os excelentes "Confidence Man," "... In Translation" e "Born to Run" e desde então só havia voltado à série para dirigir o chatíssimo "I Do" na terceira temporada). Por mais que eu goste do Jack Bender, e eu gosto muito, é sempre bom quando algum diretor convidado injeta planos e tomadas mais ousados na série. Aquele vôo em primeira pessoa do Monstro de Fumaça pela ilha, por exemplo, é ao mesmo tempo assustador e empolgante. Discretamente dá ao telespectador um vislumbre do poder e da força do monstro, e da fúria com que ele vasculha a ilha atrás de seus alvos. Outra cena em que a direção se destaca é a cena em que Locke faz a entrevista de emprego, com planos desconfortáveis que me lembraram Kubrick.

Nesse episódio também pela primeira vez eu estava igualmente interessado nas duas realidades. De fato, no 2004 alternativo, uma das coisas que mais me chama a atenção é como todas as "reapresentações" entre personagens são boas. A cena entre Hurley e Locke foi ótima, dava pra ver claramente que os dois atores estavam se divertindo genuinamente. E como negar que Jorge Garcia também conseguiu fazer um Hurley confiante e patronizador bastante convincente? Para quem entrou na série fazendo papel de si mesmo, é um crescimento digno de nota.

E só pra chover no molhado mais um pouco, mesmo sem ter tido um grande momento na temporada até agora, Michael Emerson engole a cena do enterro do Locke de tal forma que até a piada do Lapidus soa totalmente fora de tom depois de suas palavras finais. Tenho certeza que no papel ela se encaixava bem, ninguém deveria imaginar que Emerson iria conseguir fazer o público chorar com uma fala de 15 segundos e um olhar tão carregado de emoções conflitantes quanto o sorriso da Mona Lisa.

Em termos de roteiro, "The Substitute" é primoroso. Na linha de tempo de 2004, é um dos melhores episódios Locke-centricos de toda a série, e a resignação com sua condição no final, e a aceitação da Helen, me marejou os olhos. E na linha de tempo de 2007, é um meta-episódio que tem a principal função de resgatar, pela quinta vez, o interesse do público na história depois de um hiato de meses (que é a razão pela qual existem pouquíssimas teleséries com arcos que ultrapassam os limites de uma temporada, coisa que Carlton Cuse e Damon Lindelof aprenderam a duras penas). Enquanto o público é (muito bem) representado por um Sawyer que já não tem mais paciência para a forma manjada da série apresentar seus mistérios - me senti libertado quando o Smokey diz que ele parece "pouco impressionado por falar com um morto" e ele diz que já tá cagando e andando pra essas coisas pseudochocantes -, o Flockezilla tem a função de nos ludibriar (ok, praticamente implorar) para voltarmos a querer saber afinal qual é a razão daquilo tudo. E no fim, depois de tentar nos seduzir com aparições, frases interrompidas, cenas de ação e jogos mentais olhando em nossos olhos, ainda nos dão um doce mostrando aqueles nomes riscados na pedra. E eu que tinha reclamado que não havia mais nada na ilha para ser descoberto, tive uma grata surpresa que chegou a remeter ao famoso e saudoso mapa na parede da escotilha (guardadas as proporções, claro). Por um momento, Lost voltou a ser aquela série que uns dementes (eu) ficavam dando pause e capturando tela pra analisar centímetro a centímetro cada pedaço de cena. E eu fui feliz.

Então ok, Damon, Cuse, vocês me convenceram a mais uma vez me envolver com a história de vocês. Não tenho grandes expectativas, mas as poucas que eu tenho, espero que vocês não decepcionem ao final. Por enquano, tá indo tudo muito bem.

E antes de ir, só para eleger como melhor cena do episódio aquela em que o Locke falso pega a pedra branca, analisa lentamente, depois a atira no mar e quando indagado por Sawyer o que foi aquilo, responde: "piada interna" =D

Semana que vem tem mais!