Quem lembra do meu comentário de "This Place Is Death" sabe que a parte que mais me emocionou do episódio foi a cena final de John Locke e Christian Shepherd nas imediações da roda-de-burro. A atuação do Terry nessa cena foi uma das melhores dele em muito tempo de série, e eu acredito - conhecendo o ator através das entrevistas que ele dá - que isso se deva em grande parte ao retorno do propósito à vida de John, que desde a primeira temporada andava muito confuso, e isso interferia na capacidade do Terry de entrar na personagem. Toda a carga emocional que ele colocou na cena me deixou salivando à espera do inevitável episódio Locke-cêntrico que estava por vir.
Mas mesmo já fazendo idéia do que me aguardava, eu nunca, jamais conseguiria ter me preparado para "The Life and Death of Jeremy Bentham." Escrevo esse comentário meio anestesiado ainda, portanto não liguem se eu começar a divagar um pouco.
O episódio tem algumas cenas de impacto, das quais 90% me foram roubadas pela promo ou por conhecidos sem-noção que botam citação do episódio em status de MSN (peguem fogo por dentro e morram lentamente), mas elas nem chegam a fazer tanta diferença. O sétimo episódio da quinta temporada vem para lembrar aos fãs que Lost não foi construído apenas em mistérios e cenas "ZOMG COMOASSIM"; que por trás do sucesso da série, estão momentos de atuação impecável e atores fenomenais que botam o D em Drama (que, afinal, é o gênero oficial da série). Claro, tivemos o momento "Wow, o vôo 316 caiu na ilha mesmo depois dos O6 serem levados pelo clarão!," o momento "putz, o Locke está vivo outra vez!" e o momento "cacete, Ben não foi com os Oceanic Six para o passado!!" Fora vislumbres da nova estação Dharma [edit: era a Hydra, como sou burro! =P], uma breve introdução dos novos personagens fixos (ei, caiu um segundo avião no fim das contas! yay para quem tinha essa teoria nos idos de 2005!) e até uma dica de que o Lapidus sobreviveu - após fazer um trabalho muito melhor do que o do colega Seth Norris e pousar avião em um pedaço só - mas saiu vazado com uma mulher desconhecida (Sun?) antes do Locke aparecer andando sobre as águas e gritar BRINKS, TÔ VIVÃO!!!1!
Mas mesmo se o episódio tivesse cortado por completo seu início e seu final no presente da ilha, ainda seria tudo o que foi. Agora dá pra entender por que Cuse e Lindelof fizeram aquele trabalho nas coxas ao escrever o roteiro do episódio anterior: eles queriam chegar logo na melhor parte. E quão melhor ela foi! Tiro meu chapéu para esses dois e para o sempre excelente Jack Bender, que por mim podia agregar o cachê dos diretores convidados e dirigir todos os episódios que restam da série. Ele é tão bom que eu me peguei imaginando se as cenas na áfrica tinham sido filmadas em locação (imagino que não), porque ao contrário de uns outros diretores da série, ele faz de tudo para esconder os chroma e as CGI vagabundas que a ABC financia com ângulos naturais de câmera. Além disso, ele deu o episódio inteiro de presente pro Tery O'Quinn, colocando os olhos de Locke quase que permanentemente em primeiro plano, contando para nós tudo que o roteiro apenas sugere.
O episódio é, realmente, uma escalada de duelos de atuação. Já começa bem, nos presenteando com o primeiro e antológico confronto cara a cara entre Locke e Widmore desde que o primeiro ainda era um moleque arrogante de 17 anos. Teria quase sido o melhor confronto do episódio, mas claro que isso seria contra a lógica de uma obra cinematográfica, então a cena, embora muito boa, conquistou apenas a terceira colocação no meu ranking pessoal. Mas vale ressaltar a naturalidade como o Alan Dale leva o texto meio afobado (driblou magistralmente a tentação de supervalorizar aquela fala do "pra mim eles são apenas meu povo") e a forma como o Terry deixa a animosidade inicial do Locke cair, lentamente, centímetro a centímetro, até estar disposto a acolher o que Widmore lhe diz.
E então temos Matthew Abbadon, que tem o papel de provocar Locke como uma hárpia maligna ao longo de todo o caminho, conduzindo-o em mais formas do que uma. Os vários pequenos confrontos entre ambos eclode no ponto em que ele joga na cara de Locke que ele é um agente manipulador, e que o alcance da influência de Widmore se deve em grande parte a ele. Mas talvez pela diluição desse duelo entre várias outras cenas, reservei apenas um quarto lugar para esse dueto no meu ranking qualificatório. Mas pulei de susto e ansiedade quando Abbadon encontra seu fim violento no meio de uma cena introspectiva e taciturna que, num estalo, vira um banho de sangue.
Vários outros encontros ocorreram ao longo do episódio e eu obviamente não qualifiquei todos. A bem da verdade, os encontros de Locke com cada um dos quatro O-Six que ele visita foram apenas medianos. Matthew Fox teve uma chance de ouro de repetir sua atuação do season finale da terceira temporada - a única atuação realmente memorável dele na série - mas desperdiça apelando para os tiques nervosos usuais dele. Ou talvez ele só tenha brilhado naquele episódio porque não estava contracenando com o Terry nem com o Michael Emmerson, vai saber.
Mas uma cena inesperadamente tocante, que me deixou com um nó na garganta e a vista meio marejada, foi o reencontro de Locke e Walt. E nem acho que isso se deva especialmente ao Malcolm David Kelley, mas sim porque a cena resgata uma dinâmica diretamente das profundezas do início da primeira temporada, e eu fui pego de surpresa. Walt foi a primeira amizade de Locke naquela ilha, e a mais imaculada. Dá para ver claramente o respeito que um nutre pelo outro. E a atitude de Locke de deixar o garoto de fora mesmo que isso pusesse em risco os planos de Jacob é realmente emocionante. Minha cena número dois de todo o episódio.
Mas tudo isso que eu escrevi acima, sem exceção, poderia também facilmente ter ficado de fora sem prejuízo da qualidade final. Porque minha cena favorita, tão boa que chega a ser óbvia, essa valeu pelo episódio inteiro, mais o anterior, e ainda deu uns cinco episódios de crédito. A vida de Jeremy Bentham foi memorável, mas nada, nada se compara à sua morte.
Do momento em que Locke começa a escrever sua carta de suicídio, eu me arrepiei e a respiração pesou. Aquele final do 5x05 foi uma amostra grátis perto do que o Terry faz com aqueles longos minutos de silêncio em que Jeremy Bentham se prepara para dar cabo da própria vida. Acho que até a vizinhança fez silêncio (e aqui isso é basicamente impossível) e prendeu a respiração, olhos grudados na tela. Cada suspiro dele era reproduzido por mim no sofá, cada lágrima que brotava dos olhos dele furtivamente se anunciava nos meus também. E quando todo o universo está por aquele centímetro que separa os pés de Locke do vazio, eis que valsa porta adentro o diabo em pessoa.
Eu não consigo quantificar o quão monstruoso é o duelo de atuações entre Michael Emmerson e Terry O'Quinn. Cada frase, cada mudança de tom na voz deles, eu sentia a terra tremer. A dupla de atores com a melhor química em cena da série simplesmente estabeleceu um dos pilares de toda essa massiva obra do entretenimento que é Lost, diante dos meus olhos. Daqui a vinte anos, quando alguém estiver lembrando daquela série louca sobre uns sobreviventes de um acidente de avião perdidos numa ilha maluca que marcou os anos 00, essa provavelmente vai ser a segunda cena a ser lembrada, a primeira sendo é claro a abertura do episódio piloto. Sério, podem dar risada e dizer que eu estou afetado, mas eu não me contenho. Benjamin Linus é o mal encarnado, e eu nem precisei chegar até o momento em que ele assassina friamente o Locke - o momento em que os Darlton escancaram para o mundo de que lado ele realmente está - pra entender isso. No momento em que ele diz a John que ele é especial - eu soquei a palma da minha mão, falei quase gritando para a minha irmã: "Ele é o único. O único filho da puta sem alma que não diz ao John que ele é um velho patético e sem propósito! O único que sustenta que ele é especial, e para ele isso é só uma mentira, é um golpe baixo e fatal. Ele é muito cruel, puta que o pariu!"
E eu já não consegui mais segurar a lágrima desgraçada quando ele se ajoelha diante do John e estende a mão. Gente, não me importa o que fulaninho ou cicraninha de uma academia de artes considera "arte" ou "pop." eu nunca fui tão abalado por uma cena de série de TV desde a morte do Ryan Chapelle na terceira temporada de 24 Horas, e olha que isso é dizer muito! Ainda mais porque, caralho, ele decide matar o John de improviso! Dá pra ver claramente as engrenagens do inferno se movendo atrás dos olhos de Benjamin quando ele descobre que Jin está vivo, e a informação sobre Ellie Hawking é apenas o derradeiro prego no caixão de Jeremy Bentham. Benjamin Linus não puxa todas as cordas porque ele não precisa disso. Ele avalia a situação como o melhor jogador de xadrez do mundo e age no piscar de um olho. Carlton e Damon deveriam instituir que ninguém mais, nunca mais, pode escrever uma cena com o Ben sem antes passar pelo crivo pessoal deles dois. Mesmo que seja uma aparição de 5 segundos em segundo plano.
E é isso. Fim do meu maior comentário sobre Lost até o momento, mas enfim, ninguém é obrigado a ler e muito menos eu tenho obrigações com espaço ou diagramação. Daqui a uns anos eu vou provavelmente reunir todos os comentários que já fiz sobre a série e esse provavelmente ainda será o mais extenso. Porque o episódio merece.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário